Precisei jogar comida fora esta semana.
É feio e não pensei nas crianças da África, mas eram coisas que eu não daria nem pros pombos mais. Era pão 100% integral com uns 12 tipos de cereais, de uma marca bastante conhecida e que tem uma linha nova de produtos que rotula de “saudável”, “fonte de fibras”.
Não estava mofado nem vencido.
A razão?
Costumo assistir a muitos documentários, principalmente àqueles cujo tema é a alimentação e nossa relação social, nutricional e sensorial com ela. Na última década foram produzidos dezenas, com temas diversos e controversos, puxados pelo fio de Supersize Me, de 2004. Para quem não lembra, no filme o narrador Morgan Spurlock passa 30 dias se alimentando apenas no Mc Donald’s e monitorando os efeitos em seu corpo.
A mais recente tocha vilanizadora da indústria alimentícia é o documentário Fed Up. O nome é um trocadilho da expressão fed up, que quer dizer “exausto” no sentido de não aguentar mais, com uma possível interpretação que significa “bem alimentado”, em tradução livre. O filme fala da epidemia de obesidade nos Estados Unidos e acusa a grande indústria alimentícia de ser responsável por ela, e diz que a Big Food precisa ser tratada como foi a indústria do tabaco nas últimas décadas.
Com o problema de alimentar os soldados durante as Grandes Guerras do século XX, a conservação a longo prazo de alimentos foi um dos maiores desafios da época – e com a invenção dos produtos enlatados um novo mundo se abriu. O desenvolvimento dos conservantes e de outros métodos para aumentar o shelf life de tudo que consumimos surgiu para alimentar as guerras. Os biscoitos recheados que duram 12 meses, os pães que duram 2 meses e os hambúrgueres que nunca mofam são exemplos claros de onde isso chegou.
Quem trabalha com gastronomia sabe que um pão de verdade deve durar no máximo 3 dias: depois disso ele absorve umidade do ar e murcha, e em seguida começa a endurecer e oxidar até que mofo se forme sobre ele. Três dias é a regra de ouro dos alimentos preparados de verdade. Um bolo empacotado que dura 12 meses não só é uma afronta às nossas avós que faziam doces em casa, mas também à saúde de quem foi levado a acreditar que isso é bom e não faz mal.
Qualquer consumidor que se der ao trabalho de ler os rótulos dos produtos que compra no supermercado vai se deparar com uma lista interminável de ingredientes de dar nó na cabeça: nomes complicados e longos de substâncias industriais que parecem exigir um diploma em química para entender. São conservantes, aromatizantes, saborizantes e outros componentes desenvolvidos exclusivamente para transformar um produto que deveria ser simples em algo extremamente complexo e basicamente indestrutível.
O documentário foca muito na dominância da indústria alimentícia e de seu lobby no congresso – o que significa que eles podem fazer o que quiserem – mas também no provável problema que essa indústria nos criou nas últimas décadas: a quantidade absurda de açúcar adicionado a cerca de 80% dos produtos disponíveis.
É uma grande contradição na minha vida: por um lado saber que o açúcar adicionado aos alimentos industrializados (além de outras porcarias químicas) pode ser o grande responsável pela epidemia de obesidade no mundo, e do outro lado ser confeiteira e lidar com esse aditivo todos os dias.
Muito enganado está quem imagina que a grande indústria alimentícia está preocupada com a saúde de seus clientes. A indústria alimentícia tem como primeiro objetivo o lucro – é lógico, afinal estamos falando de uma empresa. Em segundo lugar, está a boa logística de distribuição de seus produtos, que inclui alcançar o maior número de mercados possível e garantir que o produto chegue intacto e consumível mesmo aos lugares mais remotos. Em terceiro, está a fidelização dessa clientela cada vez maior, que precisa ser pega desde cedo pelo estômago e nunca parar de consumir.
Isso acarreta no maior problema alimentício que temos: os produtos industrializados são basicamente irreconhecíveis quando comparados aos alimentos de verdade. Nunca soubemos tanto sobre nutrição e metabologia, e ao mesmo tempo nunca fomos tão gordos. A indústria das dietas ditas milagrosas fatura cada ano mais com as vendas de livros e métodos que obviamente não funcionam – se funcionassem, seríamos todos magros. Nossas despensas estão cheias de coisas enlatadas e empacotadas em plásticos.
O que acontece é que consumindo os produtos industrializados estamos colocando para dentro de nós mesmos uma porção de coisas alienígenas para o nosso corpo, e no caso deste açúcar escondido em tudo, não importa de que forma ele venha: o corpo processa todos os carboidratos da mesma maneira, sendo eles simples ou complexos.
A evolução biológica não acompanhou a evolução tecnológica: nosso corpo ainda trata todo e qualquer excesso alimentar como um oba-oba de reservas para o inverno e períodos de escassez. O resultado está bem visível nas nossas cinturas e na quantidade de gordura visceral que acumulamos ao longo dos anos. Somos gordos: bebês, crianças e adultos, consumindo açúcar e gordura hidrogenada todos os dias sem perceber. A indústria tem uma atitude que basicamente é “não estamos colocando um funil na garganta de ninguém, as pessoas comem nossos produtos porque gostam!”. Com a pachorra de colocar “baixas gorduras”, “sem calorias”, “fonte de fibras, vitaminas e minerais” em produtos de embalagem colorida. E assim achamos que sabemos comer: compramos essas maravilhas tecnológicas considerando como comida, sem saber realmente o que estamos fazendo. A culpa é nossa? Sim, por falta de informação e pela ingenuidade de acreditar no que a indústria diz, e pela falta de iniciativa de comer comida de verdade. Mas a Big Food tem um apelo e um lobby MUITO mais fortes do que os médicos e advogados da alimentação saudável – crescemos assim.
Os pais de hoje, nascidos nas décadas de 70 e 80, cresceram com biscoitos recheados e salgadinhos nas cantinas da escola, mas almoçavam em casa comida de verdade. Ficou a impressão de que tudo bem, sempre foi assim – mas hoje os alimentos são muito mais açucarados e cheios de porcarias. Resultado? Temos crianças de 9 anos com taxas altíssimas de colesterol, furando os dedinhos todos os dias para monitorar glicemia e manter o diabetes sob controle, que são obesas e sempre serão. Não é difícil ver mães e pais que dão refrigerante para os filhos pequenos com freqüência, e avós que entopem os netos de balas e chocolates para agradar.
E vem a pergunta: mas o que fazer então?
A resposta não é simples. A única maneira de fazer com que a grande indústria alimentícia mude sua maneira de agir é sob pressão de quem paga suas contas: o público. Se paramos de comprar um produto, ele rapidamente some do mercado. Essa pressão mercadológica combinada com o aval dos profissionais de saúde finalmente obriga o governo a taxar e rotular e controlar o comércio de substâncias maléficas para a saúde.
Isso só vai acontecer quando pararmos de entupir nossas despensas com coisinhas empacotadas e voltarmos a cozinhar de verdade, a ir na feira e comprar ingredientes básicos, como frutas, grãos, vegetais, cereais e carnes sem processamento algum, sem conservantes e sem aditivos químicos. Quando tomarmos novamente as rédeas da nossa alimentação e decidirmos não ensinar a nossos filhos que comida vem em pacotinho, e sim que ela é importante e que precisa ser feita com cuidado.
Por mais que eu lide com doces, tenho desde sempre o compromisso de utilizar apenas ingredientes verdadeiros e não adicionar absolutamente nada aos meus produtos que seja processado ou que venha em caixinhas dizendo “fácil de fazer”. Bolo de caixinha não é bolo. Existe um limite para esse compromisso? Existe, porque ainda não há um substituto menos agressivo ao açúcar refinado com as mesmas propriedades.
Isso acarreta em custos muito maiores para o meu negócio, vidas úteis de produtos menores e preços finais maiores para o meu cliente? Sem dúvida, e o futuro da minha empresa está sempre na corda bamba por isso.
Tenho certeza de que jamais deixarei de dizer que quanto menos produtos industrializados consumirmos, melhor – menos poder para as grandes indústrias que manipulam nosso paladar e corpo com suas fórmulas hiperpalatáveis e bizarras. E continuarei dizendo que a diferença entre o VENENO e o REMÉDIO está na DOSE: açúcar sim, mas não o tempo todo todo dia em todas as nossas refeições. Fica uma dica: se o produto tiver qualquer ingrediente que você não saiba o que é, não compre. E deixe na prateleira do supermercado qualquer coisa que tenha “açúcar” nos primeiros ingredientes – mas não deveria ter, como pães, massas, molhos e outras comidas salgadas.
E antes que alguém diga que sim, os Estados Unidos são um horror, vale também assistir ao documentário Muito Além do Peso, uma produção 100% brasileira que mostra exatamente a mesma coisa acontecendo no nosso país. Metade da nossa população é gorda – e esse número só tende a aumentar.
Se você tem filhos ou está lutando contra o sobrepeso, os documentários são obrigatórios, e pense bem no que você está colocando no prato e no corpo da próxima geração. Pra aprender de uma vez por todas: comida de pacotinho não é comida, é porcaria.
E o meu pão que joguei fora?
Simples. Li o rótulo e a ordem dos ingredientes era a seguinte: “farinha integral enriquecida com ferro e ácido fólico, glúten, açúcar…”
Me senti extremamente burra.
Nunca mais.
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Filed under: Alimentação e saúde |
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